segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O PAÍS DOS TACHOS

Por: Eduardo White

Temos muito sangue jovem por detrás das grades da nossa história, muitos corpos enterrados e outros tantos espalhados. É necessário que sem os desonrar saibamos amanhecer longínquos dessa treva, possamos ciciar outras páginas para ela. Nós iremos por esse caminho, tenho em mim o vaticínio, porque, como me diria um amigo, “eu habituei-me a morrer com uma esferográfica cravada no coração” e é este facto a transparência do meu sonho, a dentição madura do que ambiciono.

Há muitas bocas brancas pelas ruas, brancas de fome e muitas indiscretas riquezas em algumas algibeiras, há muitos gatos pardos nos gabinetes cheios de muitos projectos e sem visão nenhuma, há muitos loucos deambulando nus, muitos hospitais tristes pela língua das suas serpentes e vidros de sossego nas clínicas privadas, há muitos nadas por debaixo das árvores com os olhares vislumbrado um cadernozito, um livro escolar, uma caneta bic, uma caixa despertada para as cores dos seus lápis, uma carteira em que se sente um corpito inocente de uma criança, uma alvenaria impressa na palavra escola, há muitos corações que sonham ainda e muitas vésperas de alegria.

Se o meu País é um País de tachos, eu não quero ter nenhum, já o disse tantas vezes e, também, dispenso como o meu amigo “ de frequentar os salões doirados com presidentes e poetas, oradores, chefes de câmara” porque eu prefiro a felicidade das ruas, de viver à custa dos amigos que apreciam o que escrevo e o que faço, ao contrário da canalha que insiste em chamar-me bêbedo e depravado e descontentes e frustrados com a vida faustosa mas miserável que levam, essa canalha toda que nunca fará, nem teve e nem terá história nenhuma a não ser a que levam enterrada nas braguilhas, na singular memória dos seus testículos, uns, e dos seus úteros, outras, essa gente que dá socos no ar, presas ao papel dos seus livros, dos seus livros de cheques como é claro, cujas dívidas melancólicas ainda os oferecem carros, praias e mulheres ocas e abstractas ou raparigas que adolescem quando mostram a pele jovem das suas roliças pernas.

Esses meteoros da intriga que não compram literatura nenhuma e têm reacções flatulentas defronte das novelas que vêem, dos filmes sem solução, essa gentalha minúscula que não sabe que não me assusta a minha pobreza e que tantas vezes me convidam a sentar-se às suas mesas e me enchem de conselhos fúteis e pobres e me batem nas costas para me chamarem poeta. Filhos da puta.

Não sou um poeta feliz, reconheço-o, também não conheço nenhum que o seja, tirando, é óbvio, os que escrevem com as duas mãos e são muito bem arrumadinhos, muitíssimamente exemplares pais de família e que têm projectos agrícolas em carteira e que vão às compras com as mulheres para atestarem as perfumarias, as lojas de lingerie das amantes dos e das amigas, que têm um cão parvo com nome de gente e com quem falam e lhes recolhem as caganitas com os suspeitos e secretos restos dos seus banquetes, esses senhores tão difíceis de se lhes tocar ou mover que mandam cartões de fim de ano e têm uma máquina de filmar para as férias.

Esses que, certamente, têm um sítio para escrever muito limpinho e usam as calças rigorosamente engomadas e gatinham e ladram por alguma cadeira de cabedal e de chefia. Na verdade não passa a sua escrita toda de um animal embrulhado e armadilhado no gemido da tão sôfrega podridão desses senhores. Desses Popeys espinafrados, desses Tarzans do nacional graxismo, desses Mandrakes da democracia. Enfim, desses lambões.

Quanto a mim, olhem, sou uma frase censurada e conformada com tal facto. Já me quis desfazer desta vocação que ninguém percebe, nem lê, nem crê, mas sem resultado. Por vezes até me passou pela cabeça tornar-me naqueles betinhos de que há bocado vos falei. E, no entanto, continuo o festival de fracassos que nem betinho consegue ser. De

maneira que lá vou levando a vida que levo. A cabeça engalanada de uns tantos tísicos poemas, uns poucos tostões que vou tendo no bolso e advindos:

. da generosidade de uma identidade empregadora,

.dos avaros forretas dos meus editores,

. do facto da minha poesia não vender absolutamente nada,

. de um prémios magritos da que não me posso dar ao luxo de recusar

. e dos trocadilhos que vou fazendo nos simpósios em que participo.

Sou realmente um paradoxo por criticar-me e não fazer nada para mudar isto. Gostava de escrever melhor em situação bem melhor.

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