Saudades de casa, das coisas de casa, das gentes de casa fazem das suas na alma da gente. Eu não sou excepção. Tudo que tenha a ver com Quelimane Zambézia, pode ter um efeito mágico em mim.
Da lúbrica Opinião do Notícias retirei a crónica que se segue que tem tudo a ver com a terra que levo dentro de mim.
“Papá Martelo” procura crónica para Muária
Opinião
Só o que aconteceu: “Papá Martelo” procura crónica para Muária
PAPÁ Martelo é um daqueles homens que num passado recente seria certamente desnecessário e até “deselegante” apresentá-lo dada a sua popularidade de homem com feitos militares extraordinários. Ficou zambezianamente famoso como um anti-bala e homem que não recuava em colunas militares. Dizia-se que Papá Martelo sulcava estradas bloqueadas. Ele deu provas de si como um militar valente. A sua bravura foi até testemunhada por muitos civis que andavam pendurados em camiões a desenrascar a vida para a suas famílias. Gente com as suas vidas soltas por um fio prestes a rebentar...Maputo, Segunda-Feira, 19 de Maio de 2008:: Notícias
Contudo, hoje mudaram-se os tempos e também as vontades. Martelo já não é nada. Recolheu-se à insignificância e anonimato.
E sobre esta lenda viva que deambula na cidade de Quelimane, à procura de “ganho-ganho” (biscato), dediquei-lhe uma crónica neste espaço, publicada a 14 de Dezembro do ano passado.
A crónica começava assim, “... Papá Martelo foi provavelmente o militar popular de Mocuba nos finais da década oitenta e início de noventa. Estava-se em plena época de guerra. Era um militar sem patente. Portanto, um soldado raso. Todavia, ficou conhecido pela população mais que o brigadeiro José Ajape, o coronel Txukussa, o tenente-coronel Joaquim Maquival, os majores Hambone e Oliva, o capitão Djangua, entre outros, todos eles meus vizinhos, ali próximo da messe militar. Do alto dos seus quase dois metros de altura, Papá Martelo era um homem forte e firme. Tinha uma postura de prontidão invejáveis. Contudo, o que mais despertava nele era o seu rosto. Bem entendido, Papá Martelo não era também fotogénico. Tinha uma cara de dureza. Cara de alguém temperado em combates. Era rude e indomável. Tinha cara de revolta com a guerra. Tinha um olhar de aço: penetrante e fulminante. E ao que tudo indicava não se importava com essa questão de nascença, porque segundo defendia, para um homem o importante são as suas virtudes e personalidade e não a beleza. E sustentava a sua tese repetidamente, “eu sou como o meu comandante Mabote, sou feio na cidade, mas bonito no mato”. E acrescentava este slogan: “sou Papá Martelo, o homem que não recua”!
Na mesma semana um leitor assíduo deste espaço, Lelo Fijamo, do Bairro Sinacura em Quelimane escrevia para o meu E-mail: “No sábado fui à casa de um amigo e, durante a minha caminhada cruzei-me com Papá Martelo - O homem que não recua!!! (trajava um fato verde militar, umas botas, uma chapéu a “cow-boy” e empunhava uns brincos de longas argolas – era o Papa Martelo em carne e osso!). Fiz-lhe um sinal pedindo-lhe que estacionasse a sua “djinga”, mas o homem não me ligou! Não insisti!”.
Ora, a crónica de hoje, vem à propósito de uma visita que o Papá Martelo efectuou quinta-feira última à Redacção do “Notícias”- Delegação de Quelimane. O homem queria falar comigo e procurava um exemplar da crónica “Papá Martelo: homem que não recua”.
O colega de Quelimane que o atendeu explicou-lhe que eu trabalhava em Maputo, no “Notícias”-sede. Foi-lhe ainda dito que não tinham o jornal que pretendia adquirir.
Mesmo assim, Papá Martelo não se deixou derrotar. De seguida, pediu ao meu colega que lhe pusessem em contacto comigo, já que ele não dispunha de moedas para falar a partir de um “onecell”. Alegou que tinha um assunto importantíssimo para comunicar-me pessoalmente (coitado, ele não sabe que eu também sou um “Zé ninguém”...). Os colegas abriram uma excepção e atenderam o seu pedido. E estabeleceu-se a ligação:
- É o papá jornalista? Aqui fala Ernesto Manuel Martelo, mais conhecido por Papá Martelo. Peço a sua ajuda: quero que me arranje um exemplar daquela crónica que fala sobre mim. Pretendo levar ao papá governador Carvalho Muária essa crónica e anexar com alguns documentos da minha pensão de reforma de ex-combatente. O papá Muária como é o nosso “grande-grande” gostaria que ele me ajudasse a resolver o meu problema.
Papá Martelo explica que o que o leva a falar com o governador da Zambézia é que este governante é aos seus olhos, neste momento, a sua única tábua de salvação. É que ele não recebe a sua pensão de reforma desde que passou à disponibilidade militar em 1992, depois de ter servido 13 anos o Exército das FPLM. Fora incorporado no serviço militar a 7.3.1979. Dir-se-ía, sem exagero que a vida de Papá Martelo se confunde com a história da guerra dos 16 anos na Zambézia, onde ele chegou ao posto de comandante. Conta que grandes chefes militares como “o pápá Bonifácio Gruveta, o papá Lagos Lidimo e o papá António Hama Tai, conhecem-me muito bem. Mesmo Samora, o meu Merechal, conhecia-me!”
Na óptica dele, o seu processo de desmobilização foi mal conduzido em 1992. Papá Martelo explica que terá sido tratado como “aqueles “mwana-mwanas” que cumpriram a tropa em apenas dois ou quatro anos”. Observa que foi tratado como “farinha do mesmo saco”, sem qualquer diferenciação. Foi deixado em situação ingrata. E esse facto, é para ele uma injustiça que acredita que com a ajuda do governador pode ser corrigido, se houver boa vontade por parte da Direcção provincial dos Antigos Combatentes da Zambézia, onde ele frequenta há anos em processos burocráticos sem fim...
Apesar do tempo, Papá Martelo, diz que o problema continua em pé: “milando é como o piri-piri, mesmo que passe muito tempo continua com o seu efeito picante”.
Neste momento quer enfrentar o “papá” governador Carvalho Muária para lhe explicar “tim-tim” por “tim-tim” sobre esse processo que já tem barbas brancas, e se possível vai expressar-se em lómwe, sua língua materna, para que Muária lhe perceba, já que Papá Martelo não sabe ler nem escrever. Neste momento, ele desconfia que o seu dinheiro esteja a ser “comido por alguém”. E vai mais longe, “presumo que haja beneficiários que nunca apertaram gatilho, de uma arma, uma única vez”.
Ao Muária, o ex-militar vai ainda explicar a burocracia de que é vítima para conseguir o dinheiro de reforma que se diz ter direito por legitimidade. Chora que anda com a documentação exigida, de “guichet” em “guichet” e de repartição em repartição. Os seus papéis andam de mão em mão...
O mais estranho, conta Martelo, é que nunca sabe se os seus requerimentos são, nalgum momento, diferidos ou indeferidos... a única resposta que tem e que lhe fica aos ouvidos é a frase, “volta amanhã”, “o chefe ainda não despachou”. É, definitivamente, uma burocracia desencorajante.
E apesar de isto tudo, Papá Martelo diz-se confiante que chegará o dia em que se “dará a César o que é de César”. E volta a parafrasear o dito popular, “um milando é como o piri-piri, nunca apodrece,”. Diz que não desistirá e gaba-se, “eu sou o Papá Martelo: o homem que não recua!”.
Com um sorriso, desligou a chamada prometendo: “papá jornalista, quando um dia, vir a Quelimane vou matar um galo para ti, comprado com dinheiro dessa reforma! Juro, eu sou o Papá Martelo: o homem que não recua!”.moisesalbino@yahoo.com.br
Albino Moisés
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