domingo, 24 de fevereiro de 2008

5 DE FEVEREIRO: o povo saiu da garrafa ou alguém(mão invisível) tirou a rolha da garrafa

Depois das manifestações de 5 de Fevereiro e suas replicas, houve uma necessidade, por parte de diferentes "turmas" da sociedade moçambicana, de interpretar oque havia acontecido. Recorrendo a saberes de diferentes naturezas, tinha que se procurar as causas, implicações das manifestações. Falou-se, escreveu-se tudo e nada sobre o assunto. Os "simplistas"( a maioria) atiraram pedras ao governo sem procurar outras causas e se ficaram nisso(?). Responsabilizaram ao governo sem pensar em outras alternativas. Os "intelectuais sério" das sociologia, filosofias, antropologias e todas outras "ias" se "assentaram" a volta da fogueira dos seus saberes, suas técnicas de reflexão e argumentação e se "perderam" por ai algumas vezes num autentico "fratricídio intelectual". Ninguém ficou indiferente. Todos pensamos em alguma coisa, dissemos alguma coisa.
Os políticos como estão habituados e como já nos habituaram, vieram ao terreiro e mais uma vez acusaram-se mutuamente, todos com razão como se fosse disso que os manifestantes exigiam.
No meio de tudo isso, duas teorias se destacaram ambas muito interessantes.
Uma "que o povo saiu da garrafa" outra "que houve uma mão externa".
A primeira defende simplesmente que a paciência do povo, tido orgulhosamente pelos governantes como eternamente paciente e exageradamente pacífico, tinha chegado ao fim. Os moçambicanos abertamente manifestaram o seu descontentamento e saturação com a subida do nível de vida. Ela resultou de uma acumulação e saturação de problemas sociais não resolvidos e mal resolvidos. Pensando assim. a subida dos preços dos transporte semi-colectivo foi "a gota que fez transbordar o copo". Teoria muito simples. Simples demais. Fácil de entender e adoptar. Teoria desprovida de algum tecnicismo de raciocínio ou alguma teoria de conspiração. A segunda defende que nas manifestações, o povo não passou dum "pau mandado" um instrumento nas mãos duma "mão estranha."
Se o povo saiu da garrafa deixem perguntar:

-Quem tinha posto o povo na garrafa?
-Porque foi posto na garrafa?
-Como é que o povo tinha sido posto na garrafa?
-Tinha o povo consciência do engarrafamento?
-Como era mantido na garrafa?
-A troco de quê o povo aceitou o engarrafamento?
-Uma vez fora da garrafa, voltaria um dia à vida engarrafada?
-E como seria daqui em frente?
-Estaria o povo preparado para viver fora da garrafa?
-Como é que os engarrafadores lidariam com o desengarrafamento do povo?
-Quem foi que tirou a rolha da garrafa?
Essa última pergunta me leva a segunda teoria. A teoria da "mão estranha e deixem-me perguntar:

-Que(quem) mão foi essa?
-Quão externa era essa mão?
-Que interesses tinha na manifestação do povo?
-Foram alcançados esses interesses?
-...

Adoptar a primeira teoria, nos obriga a negar parcial ou totalmente a segunda. O povo é visto aqui como vitima dum sistema de governação onde está sistematicamente ausente uma comunicação entre o governante e o governado e as subida do nível de vida resultante do aumento de preços não é discutida/comunicada ao consumidor do nível do trabalhador-produtor.

Adoptar a segunda teoria nos obriga igualmente a negar parcial ou totalmente a primeira. Implica dizer que as manifestações tinham uma "agenda escondida" e portanto tinham pouco ou nada a ver com o custo de vida em geral e a subida dos preços dos chapas em particular. Significa dizer que o povo não precisava reivindicar coisíssima nenhuma, que os preços era muito bem pagáveis. Significa dizer que estava tudo bem, só que alguém(uma mão estranha) aproveitou-se da situação. Significa dizer que de tão paciente e pacífico, o povo passou a tão ingénuo e manipulável capaz de facilmente cair nas mãos de qualquer chantagistas que por qualquer razão queira pôr em causa a boa gestão que se faz desse país e ou a boa imagem que goza na comunidade internacional. Significa que o povo não tem vontade própria, não tem mérito na decisão do governo de manter os preços anteriores e subsidiar combustíveis aos transportadores.Significa muita coisa. As manifestações aconteceram pouco depois duma importante visita do Banco Mundial que deu nota positiva ao desempenho económico do governo. A mão estranha pode ter desejado contradizer isso. Pode ter pensado em mandar ao governo e ao mundo, uma mensagem totalmente oposta à do Banco Mundial.
Veio a dias o porta-voz da Frelimo, o jovem Edson Macuacua defender a teoria da "mão". Segundo ele, as manifestações foram “atípicas e com origem numa mão invisível, que fracassou nos seus intentos de desestabilizar o País”. Seja lá qual tenha sido a "mão", visava desestabilizar o país e "felizmente" fracassou nos seus intentos. Edson tem uma explicação bem simples para a teoria da "mão". " porque não foram populares, como se pretende dar a entender, a população foi ela própria vítima dessa situação" . Ainda em defesa da teoria da mão diz Macuacua que "a população está identificada com o compromisso da FRELIMO de resolver os problemas que afectam o País" e diz ainda que "O nosso manifesto está a ser cumprido, estamos a resolver os problemas da população e ela está ciente disso". Urge então perguntar como é que essa população que "está identificada com o compromisso da FRELIMO" ciente que o "manifesto está a ser cumprido" deixou-se manipular tão ingenuamnete e foi cair nas mãos da "mão invisível"?
Há muito mais que perguntar. Há que depois de perguntar, escolher de que lado ficar sob o risco de não enxergar mais o outro lado. Eu escolhi "ficar em cima do muro" e ver os dois lado. Ver o povo sofrido e cansado "saindo da garrafa". Cansado sim, afinal foram 30 anos em guerra, primeiro anti-colonialista e depois fratricida, com Campos de Reeducação, execuções públicas e Operações Produção pelo meio. Cansado dos recentes discursos e promessas ocas.
Daqui "vejo" também a mão (ln)visível manipulando o povo da Frelimo.
Mas uma coisa tem de ser dita e bem. Os preços dos chapas voltaram a baixar. O governo vai subsidiar os combustíveis e isso é que interessava ao povo utente dos chapa, tenha sido ele manipulado ou não, saiu a ganhar. Esteja ele identificado com o manifesto da Frelimo ou nas mãos da "mão invisível". Se "os intentos" da "mão invisível" eram mesmo de "chamar o governo à razão" olha que está de parabéns pois conseguiu que o governo voltasse atrás na sua decisão.


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