sábado, 12 de abril de 2008

DO PAÍS ONDE MORO:carta para Mariazinha IV


Nesse silêncio quase eterno que eu gerei, é bem possível que te tenhas até esquecido que existo e existe aquele compromisso de te falar do meu(nosso) país. Foi tempo longo demais Mariazinha, e nenhuma alma, grande que fosse, suportaria a dor duma espera tão longa. A minha natureza humana me manda justificar o silêncio que se isso fosse apagar a dor que te causei. Como se isso fizesse voltar o tempo e me permitisse fazer diferente. Palavras para cá e para lá só para te entreter? Não farei isso não Mariazinha aliás, já uma vez disse que e bem que a vida nem sempre nos obedece.
Olha que meu silêncio não silenciou a vida no nosso país. Viveu-se e muito enquanto eu nada disse. Fez-se e desfez-se. E há-de ser por isso que meu silêncio se torna muito mais imperdoável. O mal de haver muito por te contar está no não saber oque deve vir primeiro.
Deixa-me então dar um pulo para a vizinhança. Sabes Mariazinha que as eleições do Zimbabwe continuam sem resultados? Bem já lá vão duas semanas e não se sabe, ou melhor não se quer deixar saber quem as venceu. Já amanhã se reúnem os chefes de Estados membros da SADC para" discutir a crise política" do Zimbabwe. Não Mariazinha, não seja tão insensível a ponto de perguntar oque temos nós a ver com isso. O que farias se a casa do vizinho pegasse fogo? Oque a sabedoria dos sábios nos manda fazer? Olha que na Beira onde moro dividimos quase tudo com os Zimbabweanos. Quase tudo Mariazinha. Os espaços para nossas vendas nas ruas, nos mercados, os nossos escassos postos de trabalho, e até os nossos cônjuges, que o digam as esposas que são comparadas às zimbabweanas. Meu medo é que a coisa piore e tenhamos que pagar um factura que podia ter se evitado.
Mas para lá e até para cá, tens que saber que a classe dos músicos está sendo "caçada" pela justiça. Primeiro foi o Ziqo que foi justamente chamado a responder um processo . Andou na net um vídeo seu mostrando muito bem oque ele canta. Voltou às manchetes o velho debate do novo e velho, a moral do que se canta... Já a poucos dias foi a vez de Azagaia. Neste caso tenho que te confessar Mariazinha que a coisa começa com muito pouca seriedade. A nota de intimação chega á Azagaia bem tarde por razões que me custa imaginar. Tenho mesmo que esperar para ver oque acontece. Supõe-se e com muita facilidade que seja pelo conteúdo das suas música que Azagaia esta sendo chamado a responder algumas perguntas, deves ter acompanhado que foi na casa do povo, acusado de estimular violência.
Passei o final da semana das mulheres no campo, no Moçambique real como se costuma dizer. Lá onde o desenvolvimento e a pobreza deviam se medir. Conheci Victoria uma mulher que luta com a vida, voltei a ver Laurinha que continua acreditando num futuro melhor. Não sei se já te falei da Laurinha. Leprosa que nega que a lepra lhe roube a vida. Vive e trabalha para alegria dela, dos netos que cuida e daqueles que como eu tem a sorte de lhe ser próxima. Me envergonho com a gratidão dessas mulheres sofridas. Conheceram o sabor da guerra, o ardor do destino ainda carregam seus vestígios e se debatem hoje com a crueldade do Sida que lhes imputou a responsabilidade de cuidar de netos. Mulheres lutadoras que uns dias vivem e sonham e noutro sobrevivem e amaldiçoam o destino.
Brinquei com as crianças, bebi agua do poço. Ouvi a música da floresta, tomei mel e vi o céu estrelado.
Bem como vês Mariazinha, o silêncio só aconteceu aqui no meu mundo, pois. no meu mundo a vida continuou toda frenética.
Espero voltar pela semana com os resultados do vizinho.
Enquanto isso fique com esse abraço, o mesmo que dei à Laurinha ai na foto.

1 comentário:

micas disse...

Obrigada pelas notícias e parabéns a todas as Laurinhas de Moçambique e votos que continuem a ter muita força e coragem.