sábado, 23 de outubro de 2010

NGANU ZA GORONGOSA NA VOZ DO AUTOR


Domingos Muala, autor do Nganu za Gorongosa, é amigo e colega no Projecto de Restauração do Parque Nacional da Gorongosa. Aqui no Chitengo ele é uma espécie de abelha obreira “metido” quase com todos e tudo que faz parte da vida do acampamento. Domingos gosta de trabalhar em comunidades enriquecendo-se de saberes que só lá se podem colher. Conversar com ele é simplesmente agradável e eu não perco por nada a opurtunidade de trocar umas ideias com ele. No dia 20 de Outubro fez mais um ano de vida e usei isso como pretexto para uma entrevista onde pretendia especialmente, saber mais acerca da sua obra recentemente publicada, Nganu za Gorongosa. 
Eis a conversa que tivemos:

  MEU MUNDO:Dum modo geral qual é a sensação de ter um livro publicado? 
DOMINGOS MUALA:Victória para o povo residente na grande Gorongosa. Seu entender do mundo já vai além Gorongosa em papeis impressos como o saber de qualquer povo "civilizado" com história, cultura, percepção do mundo por ai em diante. 

M.M:Quando e como nasce seu interesse pelos contos da Gorongosa? 
D.M:O meu interesse nasce a partir da altura em que notei que a sabedoria local, de tão rica que é, já começa a não fazer parte do interesse da nova geração. A nova geração já não tem muito tempo de sentar com os detentores do saber tradicional local para apreender-lhes o legado cultural. Senti a necessidade urgente de encontrar uma forma de levar a ´escola à volta da fogueira´ para os novos ambientes onde os saberes são adquiridos. 
M.M:Dum modo geral que importância tem essa obra para os diferentes estratos sociais?
D.M:Os Contos da Gorongosa (titulo de livro em português) ajuda a perceber a origem e a povoação da Gorongosa. Dá a saber como eram as relações sócio-ecológicas quando havia pouca gente na antiga Gorongosa.
M.M:Até que ponto Nganu za Gorongosa pode ser considerado uma feramenta que ajude a entender o ser e estar do Magorongozi?
D.M:Se leres a sabedoria transmitida pelo Samatenje, o líder espiritual mais influente na Gorongosa, facilmente poderás perceber como o nativo da Gorongosa se une fielmente aos ideias dos seus antepassados. Se leres a história contada pelo régulo Canda, facilmente poderás perceber como é que os régulos, os líderes máximos dos regulados, eram escolhidos, são escolhidos agora. Se leres a sabedoria transmitida pelo régulo Tambarara facilmente poderás perceber a espititualidade do nativo e a forte crença que tem da protecção dos seus antepassados omnipresentes. Portanto, estou a tentar dar alguns exemplos que acredito ajudam a perceber o modo de ser e estar do homem nativo da Gorongosa. Mas ao longo dos textos deparar-se-á com mais situações que ajudam a entender o biológico, espiritual e o transcendal do duma ou simplesmente nativo da Gorongosa.
M.M:Que relação se pode estabelecer entre os saberes incorporados nos contos e a vivência actual nas comunidades de Gorongosa?
D.M:Cada época tem seus desafios que, não reproduzindo exactamente o passado como foi, trazem-nos novos elementos que conjugados com o que de positivo houve no passado perfaz uma convivência mais harmoniosa. Ou simplesmente os contos centralizam a essencial da vida em torno dos mais velhos. Que os casamentos sejam da escolha dos pais, por exemplo, e que a noiva ou noivo sejam escolhidos pelos pais pode não se ajustar à sociedade heterogénea actual. Mas o essencial mantém-se: que os cantos são uma grande fonte de sabedoria e inspiração das convivências actuais isto é sem dúvidas uma verdade. 
M.M:Partindo do princípio que nem todos contos “colectado” fazem parte da obra, que critérios foram usados para a seleção?
D.M:Na verdade recolhemos mais de 200 contos em comunidades diferentes da Serra da Gorongosa. Tivemos a paciência de transcrever todos. A escolha foi nos muito difícil. Um dos critérios foi pegar nos contos que a maior parte da comunidade partilha. Depois tivemos de ver os contos que transitam os três regulados da Serra. Isto é, contos que as três comunidades contaram embora cada uma aumentasse um ponto e subtraísse. Depois tivemos de ver o valor cultural, sócio-ecológico, histórico e didáctico de cada conto. De facto foram vários os critérios usados para chegarmos a ter este punhado. Se tivermos mais oportunidades poderemos trazer mais e mais contos recolhidos para as mãos dos que gostam de ligar-se ao passado para verem melhor onde vão.
M.M:Existe algum que considere seu conto preferido? Porque?
D.M:Depende da perspectiva em que eu tomar. Ou seja, ponho na cabeça a perspectiva ecológica diria que o conto “Há muito tempo havia gigantes” seria meu conto preferido pois mostra que há muito tempo nenhum humano vivia na Serra. Nesse tempo a Serra era mais “sagrada” e o sistema ecológico funcionava harmoniosamente a maneira que a natureza o desenhou. Muitos riachos tinha água abundante e que circulava todo o ano. Essa água esteve na origem da diversidade ecológica da região da Gorongosa e fez com o Parque nacional da Gorongosa tivesse tanta riqueza de animais muito saudáveis. Se levo outra perspectiva direi que o conto Two Magic Sticks ajudava-me a perceber as grandes dificuldades que uma mulher enfrenta numa sociedade patrilinear. Mas, se levo uma perspectiva de professor escolho o conto O caçador e a cobra que ensina que não podemos viver tratar os irracionais como racionais por mais bondosos que os irracionais pareçam, não deixarão de ser irracionais. Este conto tem muitas lições a dar. Outra é perseverança nos actos bons embora seja difícl. Portanto, depende da perspectiva que o Nelson quiser que eu tome poderei escolher um conto para tal.
M.M:Que impacto se espera na comunidade académica da Vila da Gorongosa.
D.M:Que é bom lutar por emancipar também a componente das convivências sociais locais. Reconhecer que uma comunidade é conhecida quando se tem informação sobre ela. A Gorongosa não apenas tem um grande Parque e muita terra fértil, mas também tem humanos que têm uma maneira particular de perceber, lidar-se e sobreviver no solo que seus antepassados os deixaram.
M.M:Fala-se da falta de hábito de leitura em Moçambique. Concorda? Se sim quais seriam os factores e como corrigir?
D.M:Acho que falta de hábito de leitura existe em muitas comunidades pobres do mundo inteiro. Não é fácil alguém que não tem certeza se vai almoçar ou jantar, queimar tempo a ler. O mais natural neste caso é atender as necessidades biológicas mais primárias como a fome, o sono, o prazer sexual, o vestir e menos as necessidades espirituais como a leitura e cultura do espírito. Acho que as pessoas vão corrigindo à medida que tem certeza de que já podem alimentar o espírito pois o corpo, no qual o espírito vive, tem os elementos necessários à sua existência sadia. E claro, vamos promovendo hábitos de leitura quando temos acesso aos livros para ler mesmo que não seja para passar por uma avaliação.
M.M:Acredita que livros como Nganu za Gorongosa são a grande porta para que os jovens se interessem pela literatura?
D.M:Acho que dão um contributo. Muitas das vezes temos livros que falam sobre outros povos, culturas, etc, e poucas vezes temos acesso a um livro no qual um vizinho partilha connosco a sua sabedoria. O Nganu za Gorongosa é esse livro no qual pessoas vivas, que se cruzam connosco todos os dias têm suas fotos ao lado da sabedoria que transmitiram eternamente. Acho que é um orgulho alguém poder partilhar o que sabe com o resto do mundo dentro e fora da comunidade.
M.M:Fez a dias(20 de Outubro) mais um ano de vida, tem um livro publicado, certamente que tem um filho e já plantou uma árvore, algum sonho ainda por realizar?
D.M:Poder ajudar o ecossistema da Gorongosa a organizar e documentar o seu vasto saber em livros de sabores diferentes. Estou a terminar reconstruir a história do Chitengo a fase de Chitengo pessoa até a fase de Chitengo acampamento turístico do Parque. Estou igualmente a terminar uma outra versão do saber das comunidades à volta da Serra da Gorongosa em um livro. E Claro, já pode ler uma gama de crónicas que desde 2008 tenho vindo a escrever sobre esta região, a restauração do Parque da Gorongosa, a naturalmente as comunidades à volta do Parque.  
M.M:Obrigado pela entrevista! Gostaria de deixar alguma mensagem para quem quiser saber mais sobre Nganu za Gorongosa?
D.M:Como obra inaugural, gostava de saber a reacção dos leitores. Com base nas sugestões, comentários, etc, poderemos melhorar o serviço ao público amante da Gorongosa. Então, depois de termos a certeza de que temos comida, onde dormir, o que vestir e talvez uma companheira, vamos ler os Nganus za Gorongosa e depois dar o nosso comentário para melhores obras futuras.

2 comentários:

Afonso Vaz Pinto disse...

Olá novamente... como poderei adquirir um exemplar do "Nganu za Gorongosa" em Lisboa?
Abraço
Afonso
http://marmequer.blogspot.com/

Nelson disse...

Afonso, duvido que o livro esteja disponível em Lisboa mas dado ao seu interesse vamos encontrar alguma forma.